Em um período de quatro dias, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados podem votar duas propostas que para muitos expressam o que têm sido as políticas oficiais para o período da pandemia no Brasil: numa delas, a autorização para o Banco Central injetar R$ 1 trilhão ou bem mais em recursos públicos no mercado financeiro, sem garantias de retorno; na outra, o congelamento por 18 meses de salários, progressões e promoções dos servidores públicos federais, estaduais e municipais – o que caracteriza na prática uma redução salarial pré-determinada, já que derrubará o valor real dos salários. Entidades sindicais promovem campanha, por meio do envio de mensagens, que tenta pressionar os parlamentares para que rejeitem o congelamento.
Está em pauta da Câmara dos Deputados a votação da PEC 10/2020, chamada de ‘Orçamento de Guerra’. A proposta de emenda constitucional cria um orçamento paralelo para o período emergencial da pandemia, no qual o governo terá muito mais liberdade para gastar. O problema maior é que há um item que autoriza o Banco Central a atuar no denominado mercado secundário, comprando títulos de bancos, em boa parte com poucas garantias de retorno – popularmente conhecidos como títulos podres. Hoje o BC é proibido de fazer tais operações, dado ao grau de insegurança e pouca transparência delas.
Estimativas do próprio Banco Central, segundo a organização Auditoria Cidadã da Dívida, apontam que existem cerca de R$ 1 trilhão em títulos podres nas mãos dos bancos. A PEC não fixa limites para a atuação do banco público. A matéria já havia sido aprovada na Câmara, mas recebeu alterações no Senado e retornou para nova apreciação dos deputados. Isso está pautado para ocorrer, em primeiro turno, nesta quarta-feira, 29 de abril.
Congelamento
Três dias depois, no sábado (2), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pretende colocar em votação proposta que congela por 18 meses salários, progressões, promoções e benefícios de todo o funcionalismo público. É o que disse no início da semana, quando anunciou um suposto acordo de lideranças com o governo de Jair Bolsonaro em torno do projeto de socorro financeiro aos estados durante a pandemia, já aprovado na Câmara e aguardando apreciação dos senadores.
A proposta, na Câmara, passou sem exigência de contrapartidas aos estados. Nem Bolsonaro nem Paulo Guedes, ministro da Economia, gostaram. Agora, o governo pressiona para que parte da fatura fique nas mãos dos servidores. Há uma preocupação a mais para o funcionalismo: a aprovação da medida pode dar força a outras apresentadas ao Congresso Nacional que preveem a redução nominal dos salários.
Guerra contra os servidores
Em meio a essas articulações, Paulo Guedes está em campanha aberta contra os servidores. Disse a jornalistas que eles não podem ficar em casa parados com a geladeira cheia, enquanto os trabalhadores da iniciativa privada são demitidos ou têm seus salários cortados. Nem uma palavra sobre os trabalhadores obrigados a ceder as estruturas de suas residências para o teletrabalho, como ocorre no Judiciário, cujos profissionais mantêm a Justiça funcionando apesar do isolamento social. Ou sobre os profissionais de saúde – que trabalham e morrem no combate ao coronavírus. Ou ainda em relação aos servidores das universidades públicas, protagonistas em pesquisas relacionadas à pandemia.
Seja como for, as declarações do principal ministro de Bolsonaro não deixam, ainda, de ser contrárias ao isolamento social – já que responsabilizam trabalhadores que se estão em casa é porque atendem às políticas adotadas mundialmente para enfrentar a maior pandemia em 100 anos.
Relatório divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas), respondendo a denúncias de entidades da sociedade civil, classifica as políticas adotadas no Brasil de “irresponsáveis” e que colocam em risco “milhões de vidas”. O documento defende que o país abandone imediatamente as medidas de austeridade. Para muita gente insatisfeita com essa política, o governo deveria se preocupar em assegurar a geladeira cheia de todos os trabalhadores e trabalhadoras, em vez de mover esforços para esvaziar a dos que enfrentam a pandemia com parte dos direitos ainda preservados.