O segundo desastre ambiental envolvendo a Vale no espaço de três anos é resultado de um "modelo de mineração que é privatizado e transnacional, inteiramente a serviço do lucro das grandes empresas". Quem afirma é o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que atua nas áreas afetadas em Minas Gerais por meio de brigadas que buscam sobreviventes e ajudam a socorrer vítimas e seus familiares.
O rompimento da barragem de rejeitos da exploração de minério de ferro da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), no Complexo Paraopeba, ocorreu na sexta-feira (25). Estima-se que 14 milhões de metros cúbicos de rejeitos tenham sido despejados no Rio Paraopeba, afluente do São Francisco. O Corpo de Bombeiros já havia confirmado, até o final da tarde da segunda-feira (28), a morte de 65 pessoas, mas estimava em 279 o número de desaparecidos. A tragédia repercutiu no país e no mundo e gerou tristeza e indignação, também expressada nas redes sociais.
"Foi um crime"
O MAB - movimento nacional que existe há 20 anos e defende as populações atingidas por barragens - afirma que o que ocorreu em Brumadinho foi um "crime continuado da Vale contra o povo brasileiro" e uma tragédia anunciada que poderia ter sido evitada. Faz três anos e dois meses, o desastre aconteceu em Mariana, também em Minas Gerais, deixando pelo menos 19 mortos e destruindo a bacia do Rio Doce, que, antes da privatização, dava nome à empresa.
Até hoje ninguém foi punido e nenhuma família recebeu as casas prometidas como parte da indenização. "Mais uma vez essas grandes empresas e a conivência dos governos demonstram as suas prioridades pelas taxas de lucro em detrimento da qualidade de vida da população. Não há desenvolvimento regional, há destruição de vidas e contaminação dos rios e da natureza", diz trecho de nota divulgada pelo movimento.
Integrante da coordenação do MAB, Robert Rodrigues disse que a Vale busca deslegitimar os movimentos sociais que atuam em torno da defesa dos atingidos por barragens e da população ribeirinha. “A Vale está tentando se desresponsabilizar e culpar os movimentos sociais”, disse a professores que participavam do congresso nacional dos docentes das instituições públicas do ensino superior (Andes-SN), em Belém (PA). Segundo o coordenador do MAB, que pediu apoio militante e de estrutura ao movimento, a previsão é de que 19 municípios sejam atingidos pelo desastre, que também classificou como um “crime” da Vale, assim como ocorrera em Mariana.
ONU
A Organização das Nações Unidas (ONU) defendeu que o caso seja investigado como um crime. "Esse desastre exige que seja assumida responsabilidade pelo o que deveria ser investigado como um crime. O Brasil deveria ter implementado medidas para prevenir colapsos de barragens mortais e catastróficas após o desastre da Samarco de 2015", disse à BBC News Brasil Baskut Tuncak, relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, referindo-se à tragédia de Mariana.
Privatização
A então Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A privatização foi marcada por um forte movimento de resistência e uma série de decisões judiciais provisórias suspendendo o leilão. O consórcio controlador da ex-estatal tem como principal acionista o Bradesco.
Já uma das grandes do ramos na década de 1990, em 20 anos a empresa cresceu no mercado, porém cada vez mais voltada para a exploração e exportação de minérios, tendo a China como principal destino dos recursos do subsolo brasileiro. No período, as políticas econômicas adotadas no país contribuíram para a redução do peso da indústria na economia nacional e projetaram o Brasil como um grande exportador de commodities, produtos de origem primária de baixo valor agregado.
As privatizações são defendidas pelo governo de Jair Bolsonaro, cujo ministro da Economia, Paulo Guedes, vem defendendo privatizar tudo o que for possível. A proposta, porém, não é popular. Recente pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha confirmou a posição contrária às privatizações como majoritária na população brasileira.