“PT pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão”, cantaram os servidores que ocupavam as galerias da Câmara dos Deputados quando o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) anunciou que a sessão do Congresso Nacional estava encerrada, às 2h19min da madrugada desta quarta-feira (23), sem que o veto presidencial ao reajuste do Judiciário Federal tivesse sido votado.
A derrubada da sessão acabou sendo um recurso dos parlamentares que apoiavam o projeto dos servidores, diante do esvaziamento do plenário por parte da base governista. “Ninguém mais consegue derrubar veto nenhum uma hora dessas”, disse um parlamentar ao defender a obstrução, iniciativa que teve apoio dos trabalhadores diante das circunstâncias.
A votação do PLC 28 foi postergada ao longo da sessão, iniciada por volta das 20h45.O senador Renan Calheiros, que a presidia, se recusou a colocar em votação o requerimento de inversão de pauta que, se aprovado, deixaria o veto 26, referente à matéria, em primeiro lugar na fila dos destaques.
Havia oito destaques a serem analisados. A sessão caiu na votação do terceiro, referente à tributação de terras da Marinha. Com isso, duas das matérias mais difíceis para o governo – reajuste do Judiciário e política de valorização das aposentadorias – não foram apreciadas. Na votação em bloco, o veto ao projeto que criava alternativa ao fator previdenciário foi mantido.
Parlamentares favoráveis à derrubada do veto ao PLC 28 criticaram deputados governistas por registrarem presença em plenário,mas não votarem. Com relação à Câmara – as duas casas votam separadas –, o painel chegou a registrar cerca de 430 dos 513 deputados. Mas na apreciação do primeiro destaque, quase cem deputados presentes se abstiveram e não votaram. Esse posicionamento foi apontado por lideranças partidárias como uma manobra do governo, que conseguia assim manter a sessão de pé, mas reduzia em muito qualquer possibilidade de derrubada dos vetos.
Embora tenha concordadocom a instalação da sessão, o Planalto aparentemente em momento algum teve certeza de que a manutenção dos vetospolêmicos estava assegurada. É o que se deduz da decisão das lideranças governistas de não admitir a prioridade de votação para o PLC 28, somado à nítida tentativa de arrastar as votações madrugada adentro. Derrubar vetos nessas condições é considerado ainda mais difícil do que em situações normais.
Na votação que levou à suspensão da sessão, a maioria dos líderes partidários indicou que as respectivas bancadas entrassem em obstrução. Poucas siglas mantiveram a indicação de voto a favor de manutenção desse veto específico. O PT e o PCdoB foram exceções – as lideranças dos dois partidos na Câmara, aliás, José Guimarães (CE) e Jandira Feghali (RJ), estiveram entre as que mais usaram a tribuna para defender o veto e criticar o projeto dos servidores. O líder do PMDB, deputado Jorge Picciani (RJ), partido que costuma ser o fiel da balança nas votações no Congresso, também ressaltou a posição a favor do veto da presidente Dilma. Mas na votação do veto referente às terras da Marinha liberou a bancada para votar como quisesse.
Pouco depois da suspensão da sessão, os servidores encerraram a vigília que transcorria no gramado do Congresso – e que ainda reunia centenas de trabalhadores de todos os estados do país. Por mais de 12 horas, a manifestação pressionou e cobrou coerência dos deputados e senadores com relação aos votos que deram pela aprovação do PLC 28. Pelos menos dez mil pessoas, em avaliação preliminar, estiveram no protesto, que emocionou muitos servidores que participavam ou que acompanhavam a movimentação pelas redes sociais.
Nesta quarta-feira (23), o Comando Nacional de Greve avaliará, na federação nacional da categoria (Fenajufe), o resultado da sessão e quais os próximos passos a serem indicados para avaliação nas assembleias nos estados. A pressão de uma longa jornada conseguiu instalar a sessão, a partir de uma provável avaliação do governo de que a situação ficava insustentável e que conseguiria manter os vetos, mas ainda não alcançou seu principal objetivo. Apesar disso, outra vez a mobilizaçãonacional do Judiciário e MPU conseguiu pautar o reajuste ao longo de todo o dia de atividades na Câmara e no Senado. Na sessão do Congresso, foi mencionado por praticamente todos os mais de 40 parlamentares que se pronunciaram. Ao final, a suspensão não só impediu que a manobra tivesse êxito, como manteve acesa a luta pela derrubada do veto.