ARTIGO

Judiciário: uma instituição permissiva com o assédio moral

Estudiosos apontam que política organizacional pode inibir práticas violentas, o que não se vê no Poder Judiciário


 O assédio moral é um fenômeno complexo, multideterminado por diferentes elementos. Envolve desde o sistema político econômico no qual estamos inseridos até características pessoais de agressores e vítimas, sendo que cada fator tem maior ou menor influência no processo. Diversos estudiosos consideram o âmbito organizacional como central para compreender o fenômeno assédio moral. Ou seja, a organização do trabalho, as suas características, o clima organizacional, normas e políticas internas, entre outros, podem contribuir para a ocorrência do fenômeno ou podem inibi-lo.Um dos aspectos dentro do âmbito organizacional a ser analisado é a permissividade no que se refere aos comportamentos agressivos dos trabalhadores, principalmente das chefias. Isto é, o comportamento é permitido, não é repreendido de nenhuma forma ou de forma pouco efetiva. A permissividade se dá, também, quando não existem parâmetros para se estabelecer o que é um comportamento saudável ou aceitável e o que é um exagero, uma ofensa, uma violência, contribuindo para naturalização da violência como elemento natural do ambiente de trabalho.

No livro “Assédio moral no trabalho” escrito por Margarida Barreto, Roberto Heloani e Maria Ester de Freitas, eles relatam:
“Na vida organizacional, fazemos muitas interpretações e leituras da realidade, do que é possível, do que é certo, do que é desejável, do que é necessário. Os limites dessas interpretações são geralmente estipulados ou guiados pelas regras, pelas normas, pelos regulamentos e também por nossas consciências; a ausência de limites nos sugere que a fronteira é subjetiva e flexível ou que podemos empurrá-la um pouquinho para lá se isso for conveniente ao nosso objetivo, ou ainda se o único julgamento de nossa ação é o resultado prático atingido.” (PP. 38)
 
Os autores apontam ainda que os assediadores, ao não encontrar resistências tendem a cristalizar o comportamento de assédio, além disso, este comportamento é possivelmente multiplicado, pois outros trabalhadores, ao verem que determinado indivíduo pratica essa violência psicológica no trabalho sem sofrer qualquer conseqüência, se sentirão encorajados para praticá-la também.
A pesquisadora Finlandesa, Denise Salin, aponta que há situações nas quais os assediadores avaliam e ponderam de forma racional sobre possíveis ganhos e perdas de assediar um trabalhador. Esse comportamento por vezes é motivado pela ganância de conseguir um cargo melhor, um benefício, ou mesmo pelo medo de perder os que já possui. A falta de punição para tais comportamentos podem ser interpretados como se a empresa considerasse-os aceitáveis.
Se analisarmos o Judiciário no que se refere à permissividade em relação ao assédio moral, veremos que a situação é grave. Os parâmetros para considerar comportamento agressivo são apenas os estabelecidos na Lei 8.112, no que se refere ao tratamento com urbanidade, “manter conduta compatível com a moralidade administrativa” e a proibição do servidor “promover manifestação de desapreço no recinto da repartição”. Tais parâmetros acabam dependendo de uma avaliação subjetiva, o que os tornam flexíveis.
Além disso, não se vê empenho das administrações dos tribunais em punir ou advertir aqueles que descumprem tais normas ou que são acusados de comportamentos agressivos e assédio moral. As vítimas não encontram amparo da instituição, inclusive relatam que as vezes os profissionais que deveriam prestar esse serviço de acolhimento, adotam o ponto de vista dos assediadores, aumentando o sofrimento. Ademais, apesar de diversos relatos de trabalhadores e uma pesquisa estatística realizada pelo sindicato sobre o tema - na qual 78% dos respondentes afirmam já ter sofrido assédio moral - as administrações dos tribunais nem mesmo admitem que esse fenômeno exista no Judiciário.
Em conclusão, o Judiciário é um ambiente de trabalho bastante permissivo no que se refere aos comportamentos agressivos, ofensivos e vexatórios, fazendo deste um terreno fértil ao assédio moral, isto é, contribuindo para a naturalização e banalização da violência, compreendendo-a como elemento normal do cotidiano de trabalho.
Artigos e publicações científicas trazem sugestões de ações contra o assédio moral, mas que tem que ser avaliadas de acordo com a realidade local. Porém, antes de tudo, é essencial que se cobre da gerência e administração das empresas e instituições um posicionamento claro e um compromisso de combater a violência no local de trabalho. Há anos o Sintrajud se empenha em combater esta prática e pede ações dos tribunais neste sentido, porém, nada de significativo foi feito até agora.
Uma campanha contundente de combate ao assédio moral, realizada pelas administrações, poderia ter um impacto considerável para inibir os casos de agressão e violência no trabalho. Uma sugestão é a elaboração de documentos e “manuais” que estabeleçam parâmetros claros do que é e o que não é aceitável no local de trabalho, isto é, que condenem ameaças, gritos, constrangimentos, ofensas, e que sirvam de proteção aos trabalhadores.

Mas, nada disso se concretizará sem a mobilização e união dos trabalhadores. Se os servidores do Judiciário não pressionarem por ações de combate ao assédio moral, provavelmente elas não acontecerão. De forma geral, os atos agressivos e o assédio moral contribuem com o objetivo de aumentar consideravelmente a produtividade sem investir suficientemente em condições de trabalho, valorização dos trabalhadores ou contratação de novos servidores.  Logo, não adianta esperar boa vontade no combate ao assédio daqueles que, de certa forma, estão se beneficiando desta situação. Enquanto os trabalhadores – que são os principais lesados por essa realidade – não baterem o pé e exigirem mudanças, continuarão sofrendo com a violência no local de trabalho.


Daniel Luca
sintrajud