Ditadura escancarada, disfarçada




 Semanticamente classificados como antônimos, o PT consegue fazer os termos “escancarada” e “disfarçada” tornarem-se sinônimos. Vivemos em uma democracia e, alegando isso   o Consulado Uruguaio não concedeu asilo político uma manifestante indiciada que teve prisão preventiva injustamente decretada.  O Brasil é uma “democracia”, disse o Consulado Uruguaio. É mesmo? Em uma democracia se vê prisão preventiva para não haver  protestos? Vamos combinar que isso é dispositivo de ditadura escancarada! Mas no Brasil ela é disfarçada! Eis a mudança da relação linguística entre os dois termos, nunca visto na história recente deste País!

Outro aspecto de uma ditadura é a conluio entre todos os Poderes, seja propondo, executando, referendando ou  apoiando (nesse caso talvez  o maior deles: a mídia). De repente, acidente vira “homicídio doloso triplamente qualificado”; protestos que descambam para a violência viram “depredação dolosa do patrimônio público e privado e formação de quadrilha”, sem falar que o termo “vândalo” já é aplicado a quem estiver na rua no momento de uma manifestação e, por si só, está sujeito a ser espancado e preso...
E o clima de terrorismo de Estado é tão brutal que criminaliza até quem se revolta com isso e apoia os manifestantes. É a volta do “ame-o ou deixe-o”, e do “não se meta” e... essa frase remete a qual sistema político? Membros da Comissão de Direitos Humanos viraram “cúmplices”, advogados no exercício da profissão têm telefones grampeados, parlamentares e entidades da sociedade civil viraram “financiadores” e “cúmplices” num clima de salve-se quem puder, coincidentemente só visto em período ditatorial. Será mesmo coincidência?
Impossível não lembrar da música de Chico, composta 1979, período ditatorial escancarado, que, surpreendentemente passou pelo crivo da censura da época:
Se tu falas muitas palavras sutis /E gostas de senhas, sussurros, ardis / A lei tem ouvidos pra te delatar / Nas pedras do teu próprio lar / Se trazes no bolso a contravenção / Muambas, baganas e nem um tostão / A lei te vigia, bandido infeliz / Com seus olhos de raio-x / Se vives nas sombras, frequentas porões / Se tramas assaltos ou revoluções / A lei te procura amanhã de manhã / Com seu faro de dobermann / E se definitivamente a sociedade só te tem / Desprezo e horror / E mesmo nas galeras és nocivo / És um estorvo, és um tumor / A lei fecha o livro, te pregam na cruz / Depois chamam os urubus / Se pensas que burlas as normas penais / Insuflas, agitas e gritas demais / A lei logo vai te abraçar, infrator / Com seus braços de estivador...


Denise Carneiro