Há exatos cinquenta anos, instaurou-se no Brasil um governo ditatorial apoiado pelas forças conservadoras no Brasil e também pelo imperialismo norte-americano. O debate acerca dessa data deve ter alguns elementos norteadores, começando pela necessidade de deixar bem claro que a direita nesse país apoiou e financiou esse regime de exceção, que praticou violações sistemáticas aos Direitos Humanos Fundamentais, que prendeu e torturou mais de 50.000 pessoas e sequestrou e matou cerca de 500 homens e mulheres que decidiram se opor, legitimamente, àquele nefando regime.
Depois, é preciso romper com uma antiga falácia comumente defendida pelos militares e pelas forças políticas que deram apoio ao regime, segundo a qual houve um contragolpe que visava a debelar um golpe de Estado que estaria sendo articulado pelas forças da esquerda. Isso é um embuste! O que estava em marcha no Brasil, naquele momento, era um conjunto de reformas do modelo capitalista no Brasil, como a reforma agrária, a reforma educacional, política, dentre ouras, de cujos resultados as forças conservadoras no Brasil tinham medo, pois tais reformas significavam, em primeiríssima análise, o fim de privilégios que lhes foram historicamente assegurados e se articularam com os setores reacionários das forças armadas para impedir essas reformas, que tirariam o Brasil do século XIX.
Contudo, o ponto saliente desse debate deve ser a conclusão do processo de transição, que ainda não se encerrou no Brasil, o qual deve ser norteado por três princípios: da verdade, da reparação e da justiça, o que impõe ao Estado que viveu regimes tirânicos desvelar os arquivos do Estado, reparar, sem vergonha alguma, as vítimas dos crimes perpetrados pelos agentes estatais, tais como tortura, crimes sexuais, homicídios, sequestros etc.; e punir esses agentes.Os agentes estatais não foram anistiados pela Lei 6.683/1979, primeiro porque não praticaram crimes políticos e/ou conexos a estes, mas sim, praticaram crimes contra a humanidade, assim definidos, a teor do art. 7º do Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário, aqueles que os atos desumanos (tais quais os descritos assassinatos, extermínio, desaparecimento de pessoas, violações sexuais etc) praticados no contexto de uma política de Estado contra a população civil, e de forma sistemática.
Nesse contexto, o Brasil deve seguir o exemplo de países como a Argentina, que julgou e condenou 66 militares e civis por repressão durante a ditadura, dentre eles dois ex-ditadores, Jorge Rafael Videla, condenando à prisão perpétua, e Reynaldo Bignone, condenado a 25 anos de prisão. Sem falar nos casos do Peru, do Chile, da Colômbia e da Bolívia, que também julgaram e condenaram os agentes de Estado.
Portanto, o julgamento e a punição dos agentes estatais que praticaram crimes contra a humanidade, que são insusceptíveis de anistia e imprescritíveis, é um demanda histórica impostergável e um dever jurídico previsto em normas do Direito Internacional, em pactos, tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário.
*Marcus Robson Filho é Coordenador Jurídico do Sindjus-AL, Historiador, bacharel em Direito e Professor da Disciplina Direito Constitucional do CESMAC e da FAA.