A auditora fiscal Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, desaconselhou a adesão ao recém-criado fundo de pensão dos serviços públicos federais (Funpresp) tanto para antigos quanto para novos servidores. Pesquisadora do tema, disse que é “loucura” acreditar no Funpresp no momento em que fundos de pensão do mundo inteiro quebram ou passam por dificuldades. “O trabalho é [convertido] em papéis de risco”, disse, sobre as aplicações que estes fundos fazem com o dinheiro arrecadado dos trabalhadores.
A denominação de previdência para estes fundos também foi questionada por ela. “Não há nem lógica semântica nisso, previdência está ligado à segurança... se eu quero ter segurança, como eu vou colocar meu dinheiro em papel de risco?”, indagou. As declarações foram dadas durante a primeira mesa do Seminário Nacional de Carreira, promovido pela Fenajufe (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU), no sábado (9), em Brasília, do qual participaram também José Loguércio e Celso Luís Sá Carvalho.
De acordo com Fatorelli, os fundos de pensão possuem autorização para investir nas bolsas de valores e em derivativos, papéis nada seguros e um dos principais mecanismos atuais de especulação no mercado financeiro. Como o modelo é de contribuição definida, o servidor sabe quanto paga, mas não sabe quanto receberá daqui a 10, 20 ou 35 anos. Não há garantias do governo quanto a isso. "O benefício vai depender do mercado, este mercado saturado de derivativos", disse.
Até contribuição pode aumentar
A auditora fiscal ressaltou que mesmo o valor da contribuição paga mensalmente não é fixo e pode ser majorado quando os controladores do fundo considerarem necessário. "As contribuições terão gatilhos, aumentarão a depender da análise [que for feita do desempenho do fundo]. Isto está no PL que foi aprovado: eles não falam gatilho, [mas] que [a contribuição] vai ser revista quando necessário", afirmou.
Fatorelli destacou que o sindicato dos docentes das universidades federais (Andes-SN) aprovou resolução que orienta a categoria a não aderir ao fundo, decisão tomada com base em estudos do projeto aprovado. Ela observou que o próprio governo avalia que o fundo só é viável se tiver um percentual x de adesões. Caso não tenha, poderá se tornar impossível de administrar. A palestrante defendeu uma grande campanha de esclarecimento da categoria quanto ao que é o Funpresp. "Nós não temos que influenciar nas decisões dos jovens que estão aí, Funpresp ou o quê? Nós temos que dar informação a eles", disse.
Reforma aprovada no mensalão
A coordenadora da Auditoria Cidadã afirmou que a “gênese do Funpresp” está na carta do FMI (Fundo Monetário Internacional) lançada no início dos anos 1990. Ela criticou as reformas da Previdência dos governos Fernando Henrique Cardoso, ocorrida em 1998, e de Luis Inácio Lula da Silva, em 2003. Com relação à aposentadoria dos servidores, disse que "Lula fez o que FHC não conseguiu fazer", ao privatizar a previdência dos serviços públicos, o que levou à criação do Funpresp.
Ela acrescentou que, além da reforma, Lula deixou de herança uma proposta de emenda constitucional (PEC 233) que transforma as contribuições para a seguridade social em impostos. "E ainda fazem o discurso que não muda nada! Sabe o que vai acontecer? Vai perder a vinculação [das receitas para Previdência]", alertou, sugerindo que os recursos poderiam ser aplicados em outros setores, como pagamento de juros das dívidas.
A debatedora cobrou a anulação da reforma da Previdência aprovada em 2003 por Lula, em meio ao esquema de compra de votos de parlamentares, o chamado mensalão. "Esta reforma é nula, já provaram que foi comprada, é só reconhecer a nulidade. Temos que fazer uma campanha muito grande pelo reconhecimento [disso]”, conclamou, ao defender o retorno ao sistema solidário, sem relação dependente com mercados ou apostas de risco: “Previdência é solidariedade e é maravilhoso, os jovens permitindo que os mais velhos tenham uma aposentadoria digna”, disse.