Ex-presidente do BNDES e ex-reitor da UFRJ, economista esteve no ato contra o leilão de Libra, também sofreu com as bombas da Força Nacional e disse que a sua demissão por Lula foi uma "condecoração"
Ele chega com passos lentos, um amigo o auxilia. A bengala o ajuda na agora difícil tarefa de se movimentar. Cabelos brancos, 77 anos, é mais um manifestante dentre as centenas que se concentram ali, na av. Lúcio Costa, à beira-mar, a cerca de 500 metros do Hotel Windsur, na manhã daquele 21 de outubro de 2013. A data entrará para a história – para os que ali se encontram e para boa parte da população, pelas portas dos fundos.
Dentro de algumas horas, o governo da petista Dilma Rousseff concretizará uma das maiores privatizações de todos os tempos – as gigantescas reservas de petróleo já descobertas do campo de Libra, na Bacia de Santos, maior dos bilhetes premiados do pré-sal, passará majoritariamente para mãos de empresários ingleses/holandeses, franceses e chineses. O leilão de um só consórcio concorrente está prestes a acontecer.
A indumentária, porém, o denuncia. O terno preto e a gravata o destacam da maioria dos que como ele ali protestam – veio vestido como que para um velório, disse mais tarde. A reportagem o aborda em pé, no canteiro que separa as duas pistas da avenida paralela ao mar. Para isso, aguardou que o repórter de uma TV italiana terminasse de entrevistá-lo. Solícito, fala ali mesmo, em meio ao barulho do carro de som, das palavras de ordem e a menos de 15 metros dos policiais da Força Nacional de Segurança, que fazem o primeiro cordão que isola o hotel que hospeda o leilão dos manifestantes. Na segunda barreira, cerca de 150 metros adiante, estão os soldados do Exército brasileiro – no mar, dois barcos da Marinha patrulham a orla.
A entrevista é curta, mas as respostas enfáticas. O que pensa da privatização do pré-sal que aconteceria dali a pouco? "Um horror". O que faria se ainda estivesse no governo petista? "Não estaria, de modo nenhum". Terminada a conversa, senta numa cadeira na praça, junto ao protesto e a poucos passos da barreira policial. Menos de uma hora transcorrerá até que a Força Nacional enviada pelo governo petista lance contra os manifestantes, sem economia, uma saraivada de bombas de efeito moral, de gás lacrimogêneo e tiros de bala de borracha. Muitas bombas vão cair quase aos pés do homem de terno, que com a ajuda do amigo vai se retirar em busca de um abrigo. A seguir, a entrevista com o economista Carlos Lessa, ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do BNDES no primeiro ano da gestão de Lula.
LF NOTÍCIAS - O que lhe traz aqui [no protesto contra a privatização do campo de Libra, do pré-sal]?
CARLOS LESSA - A mesma coisa que quando eu tinha 16 anos fui para rua: defender o meu Brasil.
LF NOTÍCIAS - Como o senhor vê a privatização do pré-sal?
CARLOS LESSA - Um horror, um horror. Um horror porque é de novo a entrega do Brasil de forma absolutamente Eu estou indignado.
LF NOTÍCIAS - Como o senhor vê os que alegam que a Petrobrás e o governo brasileiro não têm condições de explorar o petróleo [do pré-sal]?
CARLOS LESSA - Quando eu tinha 16 anos diziam que o Brasil não tinha competência técnica, jurídica, financeira, econômica, moral, operacional para ter uma empresa de petróleo. E o [geólogo norte-americano] Walter Link disse que o Brasil não tinha petróleo em nosso território. Nós criamos a Petrobras, encontramos essa maior reserva mundial e agora vem o mesmo argumento de 60 anos atrás.
LF NOTÍCIAS – E o Exército aqui hoje? É uma contradição do governo Dilma?
CARLOS LESSA - Não, não é umacontradição não. Eu fico com pena das Forças Armadas estarem aqui. O governo Dilma chamou as Forças Armadas para dizer: estão do meu lado.
LF NOTÍCIAS - Mas Dilma havia prometido não privatizar [na campanha eleitoral de 2010]. O que o senhor acha que está fazendo o governo privatizar?
CARLOS LESSA - Eu acho que há três razões possíveis, eu não tenho nenhuma intimidade com o governo. Mas eu diria que a primeira é o medo de ter uma retaliação em termos de capitais de curto prazo. O Brasil está vulnerável, as contas externas, pelos movimentos de curto prazo. Então é uma demonstração de que o Brasil continua absolutamente sem iniciativa. Segundo, acho que é uma questão que pode estar ligada a uma massa e interesses brasileiros dispostas a financiar uma campanha eleitoral nova, uma outra campanha. Pela Petrobras não adianta, mas eles passam a ter muito poder na sucessão de Dilma; terceira razão, eu acho que é medo, medo do peso do Irmão do Norte. Esta espionagem foi assustadora, não apenas provaram que podem espionar tudo e todos, até mesmo as intimidades da presidenta.
LF NOTÍCIAS - O senhor acha que não cancelar [o leilão] pela espionagem, mesmo reconhecendo que a espionagem [teve caráter comercial]...
CARLOS LESSA - Medo, medo, só pode ser medo. Ela tinha um pretexto perfeito para cancelar, por espionagem, mas [preferiu não cancelar], por medo, medo.
LF NOTÍCIAS - O senhor não tem relação mais com o governo. Mas como o senhor se sentiria se continuasse no governo...
CARLOS LESSA - Eu não continuaria. De maneira nenhuma. Quando eu fui demitido eu me senti condecorado, porque o Brasil estava já se entregando à especulação financeira. Eu acho que eu recebi uma condecoração dada pelo Lula, me sinto honrado com a minha demissão.